Apesar dos pesares, esta é uma história de amor. Filomena levantou-se da cama decidida. Após o habitual café, seguiu para o centro da cidade. Subiu as escadas do Malagueta’s Sex Shop e foi direto ao balcão. Bom dia, disse a atendente cujas feições flertavam com algo entre o David Bowie e o Waldick Soriano. Em que posso ajudar? Filomena sustentou o olhar, apesar da vergonha que lhe consumia por dentro. Quero um consolo. A atendente sorriu-lhe e fazendo um gesto com o dedo indicador, sumiu por detrás de uma cortina vermelha logo atrás do balcão. Filomena, muito discretamente, deixou os olhos correr pelo ambiente. Uma fauna de artefatos eróticos cujas funções escapavam ao saber cotidiano da viúva-beata de cinquenta e oito anos. Adamastor, seu marido, morrera dez anos antes. Infarto fulminante. Desde então, Filomena guardava luto, Jamais se aventurara a encontrar outro amor, sabia desde pequena que o casamento, ao contrário do que dizem por ai, não acaba quando a morte nos separa. Na igreja de Filomena, o casamento é para toda a eternidade e quando a dama de negro a viesse visitar, poderia então se reencontrar com Adamastor, seu marido. Adamastor era um homem rústico, mas não era rude. Tratava Filomena com a justeza que um homem deve a sua companheira. Apesar da criação religiosa na igreja dos últimos dias, Adamastor não era lá muito católico. Às escondidas dos olhos da ala, bebia sua pinga de alambique, fumava seu cigarrinho de palha e nas noites da juventude, sapecava Dona Filomena em tórridos lençóis. Casaram-se ainda novos, ele com seus dezoito anos, ela com seus dezessete. Prometidos uma ao outro pela fidelidade dos pais-beatos, aprenderam a se amar e a desrespeitar certas regras das doutrinas. Numa fria manhã de inverno, Adamastor queixou-se de uma dor no peito e antes que Filomena pudesse levantar para lhe buscar um copo d’água, Adamastor faleceu. Aqui está, disse a atendente com sua voz cujo timbre lembrava algo entre uma seriema no cio e uma maritaca em tardes de verão. Despertada do mundo de lembranças, Filomena viu diante de si um arsenal de peças anatômicas que a fez corar. Dos mais simples e pequenos aos enormes e motorizados, havia de tudo. Com vibração intensa, com texturas agressivas, com luzes, som e até Wi-Fi! A atendente, percebendo que o espanto da senhora que titubeava se poderia tocar um deles, antecipou-se e colocou nas mãos de Filomena um Mastodonte 2000 Plus. Jesus! Filomena sentiu que o rosto corara mais ainda. Enquanto a atendente descrevia as características técnicas do artefato, como naquela música da Maria Alcina, Filomena sentiu um calor na bacurinha. Wi-Fi? Sim, Wi-Fi? Mas e para que serve o Wi-Fi? A senhora pode sincronizar a vibração com a batida do Spotify ou, ainda, com os a exibição de filmes picantes no site do fabricante, esclareceu a atendente com um piscadela de cumplicidade, completou: e ainda pode usar como roteador! Roteador? A cabeça de Filomena dava voltas com todas as vozes das beatas enaltecendo seu luto. No fundo, ainda que em vida Adamastor a tivesse mostrado que as doutrinas podiam ser deixadas de lado, após a sua morte, o medo característico das fés a fazia titubear. Será pecado? Será que lá do além, Adamastor a julgaria? Dez anos de luto-castidade e a saudade de um chamego do seu Adamastor a fizeram resoluta naquela manhã e no seu ombro esquerdo, o diabinho lhe dizia, leva mulher. Filomena sequer olhou para o ombro direito para ver se havia anjo a lhe dissuadir daquele disparate. Passou o cartão, pegou o embrulho e voltou para casa com um sorriso de Monalisa. O resto do dia foi um dia normal, de viúva-dona-de-casa. A noite, depois de um longo banho, tirou o telefone do gancho, apagou as luzes da sacada e colocou na vitrola um disco do Barry White. Após uma corrida de olhos no manual de instruções, Filomena deitou-se com seu Mastodonte 2000 Plus. Ambrósia acordou assustada, virou para o lado e chacoalhou o marido. José, José! Escuta! O marido pigarreou e sem saber bem o que acontecia, ouviu os gemidos que vinham da casa ao lado. Ó, ah, humm.. ÓÓÓ, ahhh, huumm… Aah, Aaahh.. Ahhdamastoooooor! Na manhã seguinte, enquanto a atendente espanava o pó das prateleiras do fundo, Filomena, que lhe surgiu nas escadas, ofegante e com um sorriso cujo brilho transitava entre o sol fulgurante das tardes de fevereiro e a chama vigorosa de uma fogueira da Santa Inquisição, perguntou: como configura o tal do Wi-Fi?
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