Para mim, o dia não começa sem um café e um bom banho. Diferente do café, que pode ser qualquer um, o banho tem que ser dos bons! É que café é aquela coisa, como diz o David Lynch, qualquer café é melhor que nenhum café. Já o banho, ah, o banho não. Qualquer banho não serve. Não pode ser nem daqueles banhos de ecologistas nem daqueles felinos, de gato. Sem um bom banho a cabeça não funciona. Eu, por exemplo, depois que me levanto, sigo direto para o banheiro. Giro a torneira e deixo a água fluir pelos dedos. A temperatura da água é fundamental. Não basta por o cerebelo para funcionar, é preciso irrigar as áreas adormecidas do cérebro. A água, se muito fria, faz do banho arte de contorcionismo, o corpo se retorce e o ar me falta. Não dá pra pensar. Por isso o banho frio é minha escolha quando quero livrar a mente de qualquer coisa. Banho frio é profilático mental, mas o corpo reclama. Já a água muito quente é anestésica, faz o corpo amolecer feito macarrão que passou do ponto, e a moleza do corpo amolece as ideias. Banho bom é com aquela água morna: a temperatura certa para confitar as ideias. Pois, para mim, banho bom é um ato criativo. Enquanto os dedos massageiam o couro cabeludo, a cachola fica em polvorosa. Mil ideias surgem durante o banho. As mais bobas escorrem para o ralo feito a espuma do xampu. As que ficam ganham brilho e força, da raiz até as pontas. É no banho, ou melhor, num bom banho, que tenho boas ideias para minhas crônicas. É, também, no bom banho matinal, que surgem ideias para aulas ou aquela solução para um problema que atormentou o sono. Enquanto esfrego os sovacos com sabonete, penso no tema de um novo texto. A espuma que escorre por braços e pernas mostram as possibilidades de desenvolvimento do enredo. Nas gotas que correm pelo vidro do box vejo personagens. O bom banho é uma viagem para dentro de si. A fluidez da água pelos contornos do corpo, da cabeça aos países baixos, das mãos aos pés, em cada fio de cabelo lava não apenas o físico, mas dá à alma o frescor de um novo dia. Fechada a torneira, o barulho residual do gotejar do chuveiro deixa em aberto o desfecho. É que um bom banho é apenas o começo do dia. Enrolado na toalha, sigo para a cozinha, afinal, não esqueçamo-nos do café. Entre um gole na caneca fumegante e um gota d’água que ainda me escorre dos cabelos, abro o computador, pois é preciso colocar as ideias nos bits e bytes do teclado, antes que evaporem.
#cronicasdeumterraqueo