O tempo urge. Estaciono meu carro e sigo para o prédio no qual dou aula. São sete e meia. Um aluno me aborda logo na saída do estacionamento. E ai, professor? Tudo bem? Tudo bem. Ele tem uma dúvida e anseia por saná-la. Eu tenho que bater o ponto. A angústia me toma logo cedo, sei que se atrasar no ponto, serei descontado. Sei que se parar para atender o aluno, me atrasarei. Devo deixar o aluno em suas dúvidas e cumprir com o protocolo do relógio de ponto? Devo atendê-lo? Afinal, meu ofício de mestre não é mais que um bater cartões? Ó dúvida. O tempo urge. Me acompanhe até o prédio, digo a ele. Vamos, peripatéticos, trocando ideias pelos corredores. De frente a sala dos professores, peço um instante, preciso entrar e registrar minha presença. Agora, suba comigo até o terceiro andar. Ele me acompanha aos tropeços, o caminho me é familiar, me é cotidiano. Ele explana suas dúvidas, eu as diluo a cada lance de escada vencido. Já em frente a sala de aula, ele me agradece. Aulas de corredores, uma de minhas especialidades. Noutro canto da cidade, Rogério segue em zigue-zagues pela rodovia. O tempo urge. Cada quilômetro tem ares de fórmula um. Os segundos dão lugar aos décimos de segundos. Vai, vai, vai! Raios, a toupeira no carro à frente reduziu diante da amarelidão do semáforo. Amarelou, Rogério teria avançado, reduzido a marcha e socado o pé no acelerador. O tempo urge. Depois de cumprido o ritual dos registros, sento-me à mesa para aguardar os alunos. É que o tempo urge de formas distintas. Para uma sala de aula, sete e quarenta pode bem ser oito e cinco. Bem, ao menos para os alunos. No trânsito, Rogério, esbaforido, maldiz o tráfego intenso. Teriam todos saído justamente ao mesmo tempo que ele? É que Rogério, assim como eu, tem um ponto a bater. O relógio, mais que o relojoeiro, dita as regras. Os ponteiros apontam-nos, julgam-nos. No tique-taque, no zigue-zague, Rogério, esbaforido, perde a prova. É que às vezes, sete e quarenta é sete e quarenta mesmo, sem choro, sem desculpas, sem piedade. Acordasse mais cedo, saísse mais cedo. O inferno, já dizia Sartre, são sempre os outros. Não levem a mal o meu colega professor, o que aplica a prova. Ele apenas reproduz o tique-taque, vive no zigue-zague, apontado, aponta. Regrado pelo ponto, passa a regrar a si e aos demais. O tempo urge. Cá na minha sala, o movimento de nádegas dormentes denunciam que estamos perto das nove e vinte, hora de partir. É que o relógio que nos cobra a entrada, nos empurra à saída. A fila anda. O tempo urge. No corredor, uma aluna me chama. Professor, perdi sua aula de ontem, posso tirar uma dúvida? Acompanhe-me, acompanhe-me, por favor. Peripatéticos, vamos eu e ela, trocando ideias. O tempo urge.
#crônicasdeumterráqueo