Esses humanos…

Como toda história que trata dos cantos mais recônditos desta coisinha chamada ser humano, esta é uma história de traições. Rebeca sabia que o marido, vez ou outra, se metia a besta com as sirigaitas que rodopiavam o Tênis Clube Raqueteiros. Coisa de homem, dizia sua malfadada mãe. Seu pai arrumou uma em cada cidade. É que os caixeiros viajantes, assim como os marinheiros, vivem as quenturas que emanam dos países baixos onde bem lhes couber, mas a chama eterna da jura feita na igreja, sacramentada diante do Altíssimo, pois bem, esta pertencerá sempre a mulher amada. Você é a rainha do lar, Rebeca. As outras são penas passatempos, dizia a mãe, muito mais para convencer a si mesma que sua filha. O fantasma que atormentava Rebeca nas tardes de domingo não eram os passatempos, mas um certa Constança. A pretexto de se inteirar sobre as novidades no mundo dos potes plásticos, o marido agora frequentava religiosamente reuniões dominicais. Num desses domingos, Rebeca seguiu o marido. Sentou-se no último banco, ajeitou os óculos escuros e lançou seu olhar de Mata Hari para a dupla que, à nove bancos de distância, sequer prestava atenção à retórica do vendedor de potes e vasilhas. Constança e seu marido, mais que exercitando a cobiça, estavam enamorados. As mãos dadas e o sorvete dividido entre os dois na praça fez o sangue de Rebeca ferver. Na segunda pela manhã, calma e com toda a classe que toda rainha ostenta, Rebeca comunicou ao seu marido que já sabia de tudo. Ele agora era problema dela, da vagabunda, da teúda e manteúda. Constança, a constante, que se virasse com aquele traste. Naquela mesma segunda-feira, Rebeca juntou suas roupas, pegou o carro e se meteu no asfalto, ao encontro de Nosor, o amor adolescente dos tempos da catequese e com o qual mantinha tórridos encontros ocasionais ao longo dos últimos vinte e cinco anos. Nabucodonosor, macaco velho, também tinha sua “Rebeca”. A esposa, a dona do seu sim diante do Altíssimo, a rainha do lar, aquela com quem Nosor teve seus quatro filhos, todos batizados diante do mesmo Altíssimo, também sabia que o marido, bicho homem que é, tinha suas escapadelas de marinheiro – ou caixeiro viajante, que dá na mesma. O que a esposa não sabia, posto que não foi investigar, é que os encontros bimestrais dos Seresteiros da Colina, grupo do qual Nabucão, como era conhecido entre os seus, participava, eram na realidade com constância, digo, Rebeca. No quilômetro trezentos e oitenta e um, na suíte vinte e sete do Motel Meia Nove, Rebeca e Nosor juraram, imersos numa Jacuzzi de asseio duvidoso, quebrar suas juras de amor para com seus cônjuges (e para com o Altíssimo, obviamente) e foram viver, agora, seu verdadeiro amor em uma choupana na remota Lagoinha, escolha de Beca, como Nosor, Nabucão, a chamava. Dizem que o ex-marido pediu baixa do Tênis Clube Raqueteiros e hoje em dia dedica-se a organizar reuniões dominicais para falar dos milagres do Ômega Três. A ex-mulher, dessa nada se soube. Constança casou-se com um húngaro bem de vida e desfruta dos prazeres do Velho Mundo. Nosor acha que Beca anda de flertes com um antigo amor dos tempos da faculdade, que calhou de ser oriundo da remota Lagoinha e gerencia a única farmácia da pequena Lagoinha. Rebeca tem certeza que Nosor, à escusa de visitar bimestralmente o padrinho doente, está de caso com a siliconada recepcionista do asilo. Do alto, observando todo esse imbróglio, o Altíssimo se pergunta: onde foi que eu errei?

#crônicasdeumterráqueo