Brincadeiras de Criança…

A praça era o mundo. Todo bairro tem uma, ou deveria ter. A minha tinha uma grande árvore no meio e ao seu redor uns bancos de concreto. Nos canteiros, grama e mais algumas arvorezinhas. O passeio era de terra. Nele jogávamos bolinha de gude. Sobre os bancos de concreto, jogávamos bafo. Na grama, a diversão era pescar formigas com hastes de capim. Com a ponta mais macia do capim inserida na boca do formigueiro, ficávamos a espera que um formigão o beliscasse e, de pronto, suspendíamos o inseto ao ar, dependurado no capim, para o deleite dos colegas. Os mais corajosos testavam sua resistência no poste de luz. Talvez pela falta de manutenção, o poste de luz dava choques. Choques fracos, suficientes para fazer formigar o braço. Entre uma brincadeira e outra, alguém era desafiado a segurar o poste o máximo de tempo possível. Descalço, era preciso estar descalço, ainda que naquela época todos andássemos descalços. A praça era o lazer, mas era campo de guerra também. Brincadeiras sempre acabam em desentendimento, talvez por isso quando adultos, tendemos a brigar no trânsito ou na fila do banco. Se o homem é o lobo do homem, quando meninos, somos lobinhos nada obedientes e alertas. O escotismo sempre me pareceu coisa plástica, artificial. Na praça, quando no gude, no bafo ou no desafio do poste, alguém se desentendia, a porrada comia solta. Pedrada, chute no saco, voadora na cara, não havia espaço para amadores. Até a formiga pescada, que me perdoem os ecologistas, ia parar na boca de algum desafeto. Não bastava dar rasteira e derrubar, esfregava-se a cara do oponente na terra. As mães se faziam acreditar nas desculpas de os arranhões serem de brincadeiras. A ida para a casa no meio da tarde só podia significar uma coisa: buscar uma lata de óleo lizza. Lata de novecentos mililitros, de latão, cuja extremidade superior era removida com o abridor de latas e cujo corpo servia de luva. Encaixada no punho, a lata deixava a armadura do homen de ferro no chinelo. O soco de lata dava onde dava. Nas costas, no peito, na cara. Maloqueiros, dizia a velha que observava os pequenos gladiadores pela janela da cozinha. Quando não estávamos brigando de socos de lata, a lata servia de totem para o jogo de bétis. Dois cabos de vassoura ou ripas de madeira, duas latas e uma bolinha. Era o suficiente para, depois de duas ou três rodadas, a maçaroca infantil virar vassourada, latada e saltos no vácuo com joelhada. Nos casos extremos, se formavam as tropinhas. A tropinha do Ticão, do Zinha, do Beronha, do Sonzi. Alistávamo-nos numa e partíamos para o cacete. Fora da praça, o universo! Novamente, os ecologistas que me perdoem, mas saíamos tacando fogo no mato. O cabo de vassoura do jogo de bétis, quando não era porrete nas costas da tropinha inimiga, era suporte para o frasco de xampu em chamas, pingando breu por onde quer que passássemos. É que naquele tempo, mesmo que já existisse essa tal ecologia, ela não nos chegava. Assistíamos ao Bozo louco no pó. Assistíamos o couro comer nas brigas entre Tom & Jerry, entre o Coiote e o Papa-Léguas, entre o Pica-Pau e o Zeca Urubu. A noite, já cansados e com medo dos morcegos que rodopiavam por entre as árvores da pracinha, fazíamos as pazes. Íamos para nossas casas sujos, fedendo, arranhados, escoriados e com o embrião do berne que, duas semanas adiante, seria tirado das costas com um pedaço de toucinho. Enviados direto para o banho, não sem umas boas chineladas, as duas horas debaixo d’água, com novo perdão aos ecologistas, nem sempre eram por diversão, é que tirar o cascão do pé era coisa para funileiro! A praça era o mundo. Palco das coisas saudáveis que fazíamos naqueles tempos em que não havia Internet.

#crônicasdeumterráqueo