Ponto final…

Esse ônibus passa na policlínica, perguntou-me a senhora de cabelos brancos e bengala. Antes que eu pudesse dizer que não sabia, uma outra senhora de cabelos brancos respondeu, passa. Aos poucos, vários senhores e senhoras idosos lotaram os bancos. Aqueles mais dispostos, seguiram em pé, assim como eu. Minha mochila foi para o meio das pernas, para não ocupar o espaço que a cada minuto de espera, tornava-se mais escasso. Por fim, ônibus lotado, deixamos o terminal. Eu arriscaria dizer que oitenta porcento das pessoas naquele coletivo estavam acima dos sessenta anos. Ao longo do caminho, mais uns sete ou oito idosos embarcaram. A pergunta inicial, se ele passava na policlínica, fez sentido. Sem fones de ouvido, eu pude ouvir os relatos, as reclamações, os diagnósticos e até mesmo qual medicação é melhor indicada para esta ou aquela dor. Entre assuntos medicamentosos, uma ou outra louvação. Deus e remédio talvez tenham sido as palavras mais ouvidas por mim. Talvez porque sejam sinônimas. Talvez por que uma delas seja o placebo. Devagar, entre trancos e freadas, o coletivo seguiu por ruas que me eram conhecidas. Pude notar fachadas novas, casas que deram lugar a pequenos edifícios, novos comércios e alguns terrenos baldios, desses bons para mandar alguém carpir. Enquanto a audição deleitava-se com o universo vocabular das senhorinhas, umas doces como as vovós dos contos de fadas, outras rabugentas como só uma vida sofrida sabe modelar, os olhos capturavam imagens de uma cidade que sempre foi minha, na qual sempre fui um andarilho. Imerso nesse misto de sons e imagens, o coletivo chegou a tal policlínica, que outrora fora o hospital para o qual eu fui levado quando fui atropelado. Memórias, os aromas da infância, da adolescência, dos primeiros anos da juventude, todos misturados às colônias de alfazema, desodorante Avanço e suor. O ônibus quase que esvaziou, ficamos eu, o motorista e mais uns dois ou três rapazes com pastas nas mãos. O ponto final da linha é na prefeitura, logo, da policlínica até o palácio dos tropeiros, iriamos apenas nós, uma meia dúzia de gente que seguiu silenciosa, cada qual no seu banco. Os olhos ainda escrutinavam a cidade, mas os ouvidos tinham agora apenas os rangidos metálicos do coletivo. Na boca, um gosto amargo se fez intensificar.

#cronicasdeumterraqueo